domingo, 20 de março de 2011

O MANIFESTO DA ARTE

A Arte divaga entre o fim e o começo
e vai além.
Desvenda o que esconde,
vai às montanhas,
sai das cavernas,
sobe nos telhados das casas
e diz a todos:
- Eu sou a Arte, não sou parte.

Há Arte na voz que fala e
no silêncio da multidão que se cala.
A natureza transpira Arte.
A Arte está em cada um de nós
que nascemos da Arte,
crescemos na Arte e
morreremos com Arte.

Veja a Arte dos teus olhos,
roda de bicicleta sobre uma cadeira,
num prédio de vinte andares
ou num barraco de madeira.

A Arte não tem medida.
A Arte é comedida.
Ela mora no fim do mundo
ou num puteiro imundo.

A Arte
é a palavra que falta num verso,
é o retrocesso da vã guarda.
AnteArte
Arte
AntiArte.

A Arte é a antítese da Arte,
anda com a cabeça enterrada no chão,
toca as estrelas e vai aos infernos,
traduz o Universo e oculta mistérios.

Uma letra esquisita,
um pingo na tela
e todas as cores
de uma aquarela.

O teatro de revista
e o cinema novo:
a Arte revela-se ao povo;
a Arte dos andarilhos:
Hermeto, Sivuca e Carrilho;
a Arte de pé em pé:
Maradona, Zico e Pelé;
A Arte como ela é:
Tom Zé, Noel, Noé e
Patativa do Assaré;
a Arte encontra lume
em Manos, Browns e Antunes.

A Arte rouba a cena,
inverte o problema,
ganha dinheiro
e o joga no lixo.
A Arte que  vive
não morre nem se conforma.
A Arte se eterniza.
A Arte do improviso:
Aragão, Golias e Anísio;
A Arte dos palhaços belos:
Oscarito e Grande Otelo;
A Arte pela candura
é Carlitos com toda ternura.
A Arte assusta,
pois que é sempre difusa.

A criança sorri e a entende,
o homem adulto a banaliza,
a Arte é imprecisa,
escrava que se escraviza.

Há Arte num prato vazio,
num vaso sem flores,
no fim dos amores e
no adeus tardio.

Ela vai às festas sem ser convidada
e em muitas portas é barrada,
alguns a deixam entrar,
pobre de quem a quer rotular.

Há Arte até onde não há Arte,
lugar nenhum,
em toda parte,
Arte pela Arte,
no encontro casual,
no fundo de quintal,
na roupa no varal,
na conjunção carnal,
em algo visceral.

A Arte não se intimida,
antes confunde e conquista.

Coma Arte, beba Arte,
durma Arte, sonhe Arte,
consuma Arte, venda Arte,
deixe que a Arte aconteça.

A Arte eleva a mente
e infecta os ossos.
A dúvida do eco de Cecília;
a pedra no caminho de Drummond;
os bons mineiros no Clube da Esquina;
Vinícius, Jobim, João e a bossa-novíssima;
a tropicália desvairada dos doces baianos;
Pixinguinha, Bandolim, Jackson e Gonzaga;
a Arte tardia, tranqüila e exata
de Cartola e Coralina;
o cinquecento brasileiro,
a arte por inteiro;
Aleijadinho e Portinari,
Arte - bendita - Arte.

Lógica hipócrita,
dúvida exótica,
desleixada, emproada,
mãe e puta,
santa e bruxa.

A Arte é muito louca,
afinada e oca,
é um tijolo na vidraça,
um jogo de trapaças.
Memórias póstumas de Quaresma;
Triste fim de Brás Cubas;
a Arte se funde em prol da Arte,
faz e desfaz,
movimenta mãos, bocas, pés, vidas e,
principalmente, idéias.

A fé é Arte, o Amor é Arte,
o ódio é Arte, você é Arte.

A noite, a lua e a mulher;
o menino, o velho e o sino;
as bandeiras e o Bandeira;
a alma, a arma, o sim e o não;
o plástico, a pedra e o carvão;
toda Arte, tudo Arte, em tudo Arte.

Um bar cheio de bêbados vagabundos,
o altar de uma igreja,
o leite derramado e inútil,
o mal, a culpa e o ardor da inveja.

A Arte nasce, morre e renasce,
vive alegremente triste,
existe onde nada existe,
não se defende, não se define,
a Arte se entrega,
e, acima de tudo, ela é.

Deus deu vida à Arte
quando lançou um anjo rebelde na Terra.


(In: O Perfume do Tempo - 2005)


* Obs.: O quadro acima "Os peixes" foi pintado pelo artista e designerWagner Miranda (wahmiranda.blogspot.com)


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