quarta-feira, 21 de setembro de 2011

11 DE OUTUBRO DE 1996


Quando você partiu
Eu não acreditei
Chorei a tarde inteira
Quando você partiu
Agora o que me resta
É colar os pedaços
De algo que se partiu
Quando você partiu

Nem o cheiro do cravo
Camomila e canela
Perde-se na memória
Que o tempo recupera

Quando você se foi
Não pude acreditar
O céu ficou vermelho
Roxo ficou o mar
De todas as lembranças
Ficou um gosto estranho
Que ninguém definiu
Porque você partiu

Que a sua juventude
Sua doce solidão
Tragam a explicação
Pra tanta inquietude
Quando você se foi
Do fim ficou o começo
Que não se definiu
Por que você partiu?

(In: Canções para os intervalos - 2011)

domingo, 11 de setembro de 2011

ENOLA GAY

Quando as lágrimas secas nos rostos
Misturarem-se às pedras no chão,
Sentirei que a saudade em repouso
Inventou em mim outra canção.

E a canção não contava com a vida,
Era de ossos, poeira e vingança,
Não ficou destruída a lembrança,
O meu fim é o teu nome, querida.

Dos que somente plantavam flores
Desintegradas na ventania
Restou bem pouco de quem jazia
Nas mãos mundanas dos teus senhores.

Nunca, jamais reconhecerei
Qualquer palavra sem sentimento,
Qualquer bandeira sem fundamento,
Em teu silêncio, Enola Gay.

 (In: Versorragia Verborrágica - 2006/2011)

domingo, 4 de setembro de 2011

O HOMEM INVISÍVEL

(In) visivelmente abalado, sujo, só e sem dinheiro, pesava-lhe sobre o pescoço a cabeça de concreto, gritava-lhe nas tripas a marmita de mula: feijão, arroz, cebola e torresmo. Ele seguia sua vida carregado pelos ventos que sopram de vez em quando lançando seus ideais contra os muros das capitais. Enquanto sugavam seu sangue, sua energia, seu tempo, trazia o peito cheio de esperança e as mãos sujas de cimento.

Ninguém reparou seu rosto risivelmente abalado, molhado com pingos de graxa que a chuva trazia do céu, naquela tarde perdida de plena segunda-feira. De repente ouviu: "Escuta aqui filha da puta!". Não, não era com ele. Nem isso era com ele.
No meio-fio da calçada, Avenida Paulista, agachou-se para pegar uma pasta caída e o executivo nem lhe agradeceu. Entrou na padaria, quitanda, farmácia, feira, na zona, na putaria, desceu e subiu a ladeira, entrou pelo túnel, pelo esgoto, pelo cano e não foi notado.
Empalideceu em frente à vitrine da loja de eletrodomésticos fixando a tv com olhos de bomba, ouvindo o governo dizer que o país estava uma maravilha! Pensou na maravilha e na educação de merda, na saúde de merda, no salário de merda, na marmita de mula: feijão, arroz, zoião, de vez em quando pirão, carcaça de peixe.
Bateu cartão de ponto um ano e meio, bateu à porta da igreja e a paz não veio, nem o engraxate na Praça da Sé pediu pelos seus sapatos, talvez soubesse do furo que havia na sola, janela do céu, dava pra ver a lua e as estrelas.
Na banca da esquina viu no jornal que o mandatário supremo expunha um sorriso escancarado pelos dentes e mandíbula que trituravam sua carne e cuspiam seu sangue nas calçadas sujas e fedorentas da Várzea do Carmo, ali mesmo mãos sujas de barro deram o sinal para um ônibus que não parou, e outro, e outro, e mais outro... nenhum parou.
Construiu, lixou, poliu, alisou, pintou, enfeitou tantas casas em que não morou, tantas vidas que não viveu, tantos sonhos que não sonhou.
Sem que ninguém percebesse, desapareceu sem deixar vestígio, planos, preocupação, prestígio, rosto, família, fotografia, documentos, palavras, sentimentos, nome, sobrenome, não deixou lembrança, não deixou saudade. Era sábado de festa, de confusão num bar com paredes caiadas de azul e branco, entre faces frias, na noite fria, ninguém viu nada, de nada sabia, ausência não reclamada, roupa não encontrada, nem ossos, nem corpo, nem alma. Mesmo assim o governo continuava dizendo na tv e nos jornais que o país estava uma maravilha!
Naquela manhã de domingo os pássaros cantavam nos jardins de barro, barulhentos carros entupidos de graxa aqueciam o ar, as feias casas de concreto sorriam pro sol e o mundo nem se deu conta de que havia um morador a menos na face da Terra.

(In: Versorragia Verborrágica - 2006/2011)

sábado, 3 de setembro de 2011

É PRECISO AMAR


É preciso amar
Encontrar a fonte
Da felicidade
A bem da verdade
Onde o amor se esconde.

Dou-te o coração
Seja pro que for
Resgata os teus dias
Tuas alegrias
É preciso amor.

É preciso urgência
Segue o meu caminho
Ele é só de flores
Tem de tantas cores
Tem o meu carinho.

Chamei-te a atenção
Já posso sonhar
Um mundo de paz
Sonhos são iguais
É preciso amar.

(In: Canções para os intervalos - 2011)