sexta-feira, 29 de julho de 2011

A BALADA DO CANTADOR


“Cantador, onde o teu canto
toca no céu cada estrela
há um sofrível encanto
e uma eufórica tristeza.
Tua magia, de fato,
vem do teu canto bonito.
Canta, anjo intemerato!
Canta no espaço infinito!”


Certo Cantador cantava
pelas ruas da cidade
e a plenos pulmões bufava
com toda fidelidade
coisas da vida mesquinha
de um povo sem esperança,
quando chegava à pracinha
logo encontrava as crianças,
formava-se um coro de anjos
em total fraternidade,
e os serafins e arcanjos
encantavam a cidade.

Do Cantador se dizia:
“Um maluco desvairado.”
Mas no fundo não se via
homem mais apaixonado.
Amava a vida das ruas
feito um herói vagabundo,
que cantando chegava à lua
num sentimento fecundo.

E ao cantar pela cidade
chamava muita atenção,
havia quem com maldade
rogasse praga à função:
“Maldito esse cantador
que não nos deixa dormir
ou acordar pro labor
sem essas joças ouvir.”

Indagavam-no por vezes:
“Por que cantas, cantador?
Vão-se os dias, vão-se os meses,
Vão-se os anos nesse ardor.”

Cantando ele respondia:
“Canto por necessidade,
não vivo melancolia,
vivo musicalidade.
Quem canta os males espanta,
dizia o velho ditado,
feliz é aquele que canta,
porque vive remediado.”
E cantando ele vivia
naquela alegre missão,
era de noite ou de dia
entregue em cada canção.

Um grupo se reuniu,
mulheres e homens sem pompa,
gente de fundo vazio
reclama da própria sombra:
“Vamos calar a boca
do cantador de uma figa,
aquela figura louca,
vagabunda e pervertida.”

Chamaram o delegado
pra dar um jeito na marra,
e ao povo descontrolado
o nobre da lei falava:
“Qual crime foi cometido
pelo cantador maluco,
que só canta esbaforido
toda a tristeza do mundo?”

“O crime é de vadiagem.”
“Ele corrompe as crianças.”
“Deve sumir da cidade.”
Vinha dos reis da lambança.

“Não sei se cantar é crime.”
Retrucou o delegado.
“Mas se algo assim se define,
meto-o já no quadrado.”

Levaram o cantador
algemado pra cadeia,
consumado estava o horror,
era meio-dia e meia.
Na sala do delegado,
se assim o povo deseja,
ao cantador questionavam
qual era a sua peleja.
“Vivo a cantar nossa vida,
não incomodo ninguém,
será atitude atrevida
levar-me daqui pra além.”

“Cala a boca, vagabundo!”
Desferiu o inquiridor,
que em vocabulário imundo
aprisionou o cantador.
Este a cantar se encerrou,
livre do guarda frajola,
qual pássaro não cantou
quando trancado em gaiola?

E passaram-se alguns dias,
até que numa manhã,
pasmo e confuso o vigia:
“Deus! Cadê o metido a Pã?”
A cela estava vazia
e os cadeados fechados,
então com qual primazia
havia dali escapado?
O vigia atordoado
benzeu-se pelo que viu:
“Isso é coisa do diabo,
como esse homem sumiu?
Passei a noite acordado
vigiando o cantador,
nada se explica de fato,
vou me estrepar com o doutor.”

Assim que acabou a história
de quem vivia a cantar,
algo nasceu na memória
do povo daquele lugar.
Muitos diziam ter visto
na noite de lua cheia
um objeto imprevisto
pairado sobre a cadeia,
que com luzes escarlates
revestiu todo o concreto
e rumou pra qualquer parte
deste infinito Universo.

Criou-se grande contenda
sobre o cantador das ruas,
muitos agora sustentam
que hoje ele canta na lua.

Há quem ouça estranhamente
nas madrugas tranquilas
uma voz indiferente
em cantoria atrevida:
“Ninguém soube entender
a sina que era só minha,
mas daqui poderei ver
o teu fim, gente mesquinha!
Tenho estrelas ao meu lado
e o infinito à minha frente,
jamais ficarei calado,
cantarei eternamente!”

(In: Versorragia Verborrágica - 2006/2011)

domingo, 24 de julho de 2011

CORINTHIANS (POEMA)


Minha terra tem Corinthians
Onde o povo reinará;
A Nação toda acompanha
O time que vai jogar.

Nossos gols têm alegria,
Nossos títulos mais dores,
Nossa paz é preta e branca,
Fusão e ausência das cores.

Vou sonhar contigo à noite,
Se perder ou se ganhar;
Minha terra tem Corinthians
Onde o povo reinará.

O Timão tem seus valores
Que ninguém pode abalar;
Vou sonhar contigo à noite,
Se perder ou se ganhar;
Minha terra tem Corinthians
Onde o povo reinará.

Coringão, Deus te proteja,
Aqui e em todo lugar;
Que eu delire de emoção
Vendo o meu time jogar;
Na terra do meu Corinthians
O povo é que vai reinar.

(In: Canções para os intervalos - 2011)  


Obs.: Paródia do poema “Canção do Exílio” de Gonçalves Dias.


sexta-feira, 15 de julho de 2011

POEMA DA NOITE EM CLARO


As luzes que vêm de fora
Iluminam minha mente
Em silêncio, ouço gritos
Vindo de bares distantes.

As paredes inclinadas
Denunciam e eu entendo
Que em qualquer canto da sala
Um fantasma se diverte
Batendo nos móveis
Estralando os quadros
De fotos antigas
De tantos fantasmas.

Quem me dera em sonho
Eu fosse criança
No colo do pai
Nos braços da mãe
Sem medo de nada
Sem medo do mundo
Nem deste fantasma
Chamado Ilusão.

Resta-me o café noturno
Uma dose de conhaque
Que despreze um sentimento
Meu sono me foi roubado
Pelo barulho da moto
Amiga do asfalto duro
A noite pertence aos gatos
Eu pertenço à solidão.

Preciso da exatidão da sala escura
Preciso vivenciar meu desespero
Revelador deste morto de olhos abertos
Que sonha acordado com coisas da vida.

Poemas sobem ao teto
São tantos livros. Meu Deus!
Há um gosto amargo na boca
Ando esquecido de mim.

Nos becos, caminham bêbados
Choram mulheres perdidas
Os homens não têm razão
Quando abandonam crianças.

Via satélite vejo
O amor na televisão
A madrugada promete
Outros segredos guardados.

O que é que eu posso fazer
Se não me controlo mais?
É que minha alma adormece
Enquanto o dia amanhece.

(In: Canções para os intervalos - 2011)