sábado, 17 de dezembro de 2011

FIM DE ANO

É fim de ano
Fim do mês
Fim da linha
Fim do mundo
Fundo do poço

Osso com sal grosso

Tempero sem cheiro
E eu juntinho de vocês
Ainda há esperança
Quem sabe no ano que vem...

O asfalto esquenta um sol
Dentro dos meus pés
365 dias assados nas comezinhas
Panelas da cozinha

Um presépio sorry no mesmo lugar
A história é a mesma em qualquer lugar
Por aqui só tem neve de algodão
E pensamos ser tão felizes

É fim de ano
Fim de feira
Fim de festa
Fim de papo
Fundo do poço

Osso com sal grosso

Mas ainda há esperança
Quem sabe no ano que vem...
No ano que vem
Quem sabe...

(In: Canções para os intervalos - 2011)

sábado, 10 de dezembro de 2011

VERSO E CORDEL


Prometi um poema pra Rosa
Um poema enfeitado de ouro
Muito belo, que brilhe no escuro
Fale alto aos ouvidos mais surdos
Um poema cercado de prosa.

Prometi um poema pra Beth
Um poema talvez derradeiro
Como flor num jardim solitário
Como carta sem destinatário
Como ver carnaval sem confete

Prometi um poema pra mim
Que ele fosse bem simples, singelo
Protegido dos sonhos alheios
Tendo frases de amor verdadeiro
Um poema que eu nunca escrevi
Mas não tive coragem pra tanto
Mesmo assim fez-se em mim o encanto
Vi meu lápis riscar o papel
Com histórias de vidas melhores
Numa escrita que mal se resolve
Nesta sina de verso e cordel

(In: Canções para os intervalos - 2011)

sábado, 3 de dezembro de 2011

CONTEMPORARY LITERARY HORIZON

Amigos,
Gostaria de utilizar este espaço, que dedico geralmente à poesia, para divulgar um trabalho realizado na Romênia em prol da literatura e cultura contemporânea universal. A revista "Horizonte da Literatura Contemporânea", por intermédio do escritor e jornalista romeno Daniel Dragomirescu,  está fazendo um trabalho muito dignificante para os amantes da boa literatura. A mencionada publicação, com apoio da Universidade de Bucareste, se dedica à divulgação de escritores, poetas e artistas do mundo inteiro, podemos acompanhar trabalhos da Romênia, da China, do Kênia, dos Estados Unidos, da Espanha, enfim, é um trabalho democrático em favor da cultura universal. Aqui no Brasil, a revista conta com a colaboração da jornalista e escritora Oziella Inocencio e agora tenho a honra e o privilégio de ter um pequeno fragmento de um poema meu publicado no blog da revista e também em suas páginas, cuja publicação em papel é distribuída na Romênia, na Espanha, na Itália, mas quem sabe logo poderemos tê-la aqui também no Brasil. Gostaria de parabenizar o trabalho de Daniel Dragomirescu pela cultura universal e desejo à revista "Horizonte da Literatura Contemporânea" muito sucesso e muitos leitores pelo mundo afora. Abraços a todos. Vôgaluz

Confiram a revista no blog: http://contemporaryhorizon.blogspot.com/

sábado, 26 de novembro de 2011

HERÓIS


Não existem heróis, assim entendo.
Heróis são criaturas passageiras,
são ídolos talhados em madeira
com os rostos marcados pelo medo,


criados pelos métodos inúteis
das vaidades humanas enrustidas,
tolas finalidades vãs e fúteis
dos homens da verdade corrompida.


Heróis acordam cedo e vão à luta,
não conhecem derrotas ou vitórias,
merecem melhor vida por inteiro,


conhecem a firmeza da labuta,
não precisam de estátuas ou de glórias.
Heróis? Prefiro o povo brasileiro.

  

Obs 1.: In "O Perfume do Tempo - 2004/2005

Obs 2.: Poema apresentado na 17ª edição do Concurso de Poesias Prof.º Fábio Teixeira

sábado, 19 de novembro de 2011

RETRATO DA VIDA


Eu vi um homem deitado numa calçada
com os olhos fechados.
Parecia dormir.
Sonhava como todos nós sonhamos,
talvez com dias melhores,
talvez com um pouco de sorte.
Provavelmente passara a noite ali,
acompanhado pelas vigilantes luzes dos postes
e por bêbados vadios,
poderia ser também um deles,
apenas mais um bêbado vadio abandonado pela vida.

As marcas no rosto fatigado daquele homem
e os sulcos profundos na pele grossa
denunciavam história ocultas de uma vida,
derrotas,
vitórias,
segredos eternos,
quem sabe,
filhos,
irmãos,
uma mulher amada ou
um grande amor perdido na estrada.
Mas ali, naquela calçada, não havia ninguém,
só ele,
só.

Eu vi um homem deitado numa calçada,
já não era homem,
era um farrapo,
era de plástico,
papel rasgado,
era de lixo,
era um flagelo
dentro da sociedade e ao mesmo tempo
fora dela.
Talvez vencido pela modernidade,
pelo mundo moderno,
pela vida moderna,
monstruosidade intrínseca.

Eu vi um homem deitado numa calçada.
Mas vi também quando ele se levantou,
arrumou seus poucos pertences numa sacola surrada
e caminhou sozinho pela rua
à procura de outra chance.
E, por um instante, lembrei-me do encanto de Carlitos.
São tantos os encantos.
São tantos os desencantos.
São tantos os Carlitos.
Meu Deus!

(In: O Perfume do Tempo - 2004/2005)

domingo, 13 de novembro de 2011

JARDINEIRO


meu bom jardineiro
as rosas são frágeis
formigas são ágeis
e eu sou como sou

à sombra das árvores
nasce a erva daninha
canta uma andorinha
curando meus males

meu bom jardineiro
se as rosas são frágeis
e as formigas ágeis
eu sou o capim
quase sorrateiro
por entre o jardim

meu bom jardineiro
deixe-me sozinho
como um passarinho
em busca de paz
em busca de ninho

por flores boçais
voam borboletas
pousam em soleiras
deixando lá atrás
uma vida inteira

questiono tranquilo
jardineiro amigo
qual flor é mais bela
seria o jasmim?
seria a camélia?

jardineiro amigo
responda pra mim
poderei um dia
descansar contente?
acho que seria
talvez meio assim
muito comovente
de tão diferente
morrer no jardim.

(In: Canções para os intervalos - 2011)

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

TEM DIAS


Tem dias que a gente pensa na vida
Nos livros
Nos versos
No mar...

Tem dias que a gente pensa na gente
No amor
No sol
Na dor de amar

Tem dias que a gente pensa na saudade
Quem foi
Quem vai
Tantos amigos

E tem dias que a gente tem vontade de morrer.

(In: Canções para os intervalos - 2011)

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

ESPAÑA 82

Que se fez daquele futebol alegre
Daquele suor sagrado
De um dia de sol
Na vida de nós brasileiros
Em campos estrangeiros
Em missão de paz?

Que se fez daqueles meninos
Que bailavam na grama
Que sorriam festivos
À sombra de uma Nação
De brilho amarelo
E de verde esperança?

Que se fez do riso feliz
Do esporte raiz
Que bonito se fez
Que bonito se faz
Daquela ingenuidade serena
Dos milhões de bocas de olhos e ouvidos
De um jeito brasileiro
Que não existe mais?

Agradeço a Deus porque pude ver
O futebol mais lindo
O futebol menino
O futebol poesia
Transbordando melodia
Nos campos espanhóis

O que meus olhos não viram mais.

(In: Canções para os intervalos - 2011)

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A CIDADE

A cidade desperta
Impulsiva
Concreta
De olhos arregalados.

A cidade desperta
Cheia de dentes.

Lá estão os prédios
A sujeira dos pátios
As praças sem grama
A vida sem grana
Todos os carros
Cães e gatos
– Abandonados –
Os pés apressados
Os fios e os postes
Os fracos e os fortes.

E quem diria que a cidade
Seria pra sempre cidade?

Lá se vão os sonhos
De cimento e de pedra
Sobre a desprezada periferia
Futebol na favela.
Mas quem preferiria
Partir de mãos abanando
A morrer sem nada, lutando?

A cidade
Às vezes mãe
Às vezes madrasta
Vê suas casas erguidas
Pelos que não têm casa
Pelos que não têm futuro
Pelos que não têm nada.

A vida segue desbaratinada
Sobre o asfalto
Pelas fachadas
Cheias de fumaça
E os homens
E os seus uniformes
Escolas
Igrejas
Cemitérios
Repletos de mortos
Com outros mortos em volta.

O lixo das calçadas
Refletido no luxo das vitrines
Nos carrinhos de pipoca
E nas bicicletas.
Perto da roda-gigante
Alguém se atirou da ponte.
Nos teatros
Nos cinemas
E nas livrarias
A solidão está à venda.

A cidade estampa num cartaz
O desejo impuro de viver em paz.

(In: Versorragia Verborrágica - 2006/2011)

domingo, 16 de outubro de 2011

POLITICANALHA


Eu prometo melhorar a saúde;
Eu prometo educação e cultura para o povo;
Prometo baixar o preço dos alimentos;
E elevar os salários é minha meta.

Promessa é dívida, todo mundo sabe!

Prometo que ligarei São Paulo ao Rio,
O Rio ao Nordeste,
O Nordeste ao Norte,
O Norte ao Sul,
Passando, é claro, pelo Centro-Oeste,
Por meio de estradas e trilhos cuidados e conservados com zelo e presteza.

Prometo tirar as crianças abandonadas e os mendigos das ruas;
Prometo moradia à população;
Prometo trabalho, cidadania e justiça a todo cidadão.

A partir de agora, um novo sol brilhará sobre nossas cabeças!
Bem-vindos a um mundo melhor!

Construirei escolas, hospitais e casas populares de montão;
Prometo trazer muito progresso para este país;
Prometo incentivo irrestrito à arte;
Todos terão acesso fácil aos teatros, cinemas, museus, ginásios, exposições e etc.

Promessa é dívida, todo mundo sabe!

Resolverei o problema da segurança pública;
Prometo acabar com a fome;
No meu governo, a dignidade humana finalmente prevalecerá sobre todos os outros direitos;
Prometo acabar com as enchentes;
Prometo transporte público de qualidade;
Reajustarei os vencimentos dos funcionários públicos sem atraso;
E concederei aumento digno aos aposentados.

Promessa é dívida, todo mundo deveria saber!

Prometo baixar os juros bancários a um patamar condizente com a nossa realidade,
Acabarei, assim, com a agiotagem em pele de cordeiro;
Prometo amparo aos necessitados,
A justiça social finalmente sairá do papel.

Prometerei outras promessas na próxima oportunidade.
Prometo, prometi e prometerei.

Promessa é dívida, nem todo mundo se lembra disso!

Em off:
No entanto, prometo, principalmente, que no dia da minha posse
Eu me esquecerei de todas as promessas que fiz,
Mas que isso fique somente entre a gente
Porque ninguém é de ferro,
Sacou, bicho? 

(In: Canções para os intervalos - 2011)

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

TRÊS HAICAIS NO JARDIM

com todos os sonhos
de liberdade e de paz
voa a borboleta


 
em pleno jardim
timidamente se esconde
o tatu-bolinha


 
na palma da mão
como um brinco de brilhantes
dorme a joaninha

(In: Canções para os intervalos - 2011)

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

11 DE OUTUBRO DE 1996


Quando você partiu
Eu não acreditei
Chorei a tarde inteira
Quando você partiu
Agora o que me resta
É colar os pedaços
De algo que se partiu
Quando você partiu

Nem o cheiro do cravo
Camomila e canela
Perde-se na memória
Que o tempo recupera

Quando você se foi
Não pude acreditar
O céu ficou vermelho
Roxo ficou o mar
De todas as lembranças
Ficou um gosto estranho
Que ninguém definiu
Porque você partiu

Que a sua juventude
Sua doce solidão
Tragam a explicação
Pra tanta inquietude
Quando você se foi
Do fim ficou o começo
Que não se definiu
Por que você partiu?

(In: Canções para os intervalos - 2011)

domingo, 11 de setembro de 2011

ENOLA GAY

Quando as lágrimas secas nos rostos
Misturarem-se às pedras no chão,
Sentirei que a saudade em repouso
Inventou em mim outra canção.

E a canção não contava com a vida,
Era de ossos, poeira e vingança,
Não ficou destruída a lembrança,
O meu fim é o teu nome, querida.

Dos que somente plantavam flores
Desintegradas na ventania
Restou bem pouco de quem jazia
Nas mãos mundanas dos teus senhores.

Nunca, jamais reconhecerei
Qualquer palavra sem sentimento,
Qualquer bandeira sem fundamento,
Em teu silêncio, Enola Gay.

 (In: Versorragia Verborrágica - 2006/2011)

domingo, 4 de setembro de 2011

O HOMEM INVISÍVEL

(In) visivelmente abalado, sujo, só e sem dinheiro, pesava-lhe sobre o pescoço a cabeça de concreto, gritava-lhe nas tripas a marmita de mula: feijão, arroz, cebola e torresmo. Ele seguia sua vida carregado pelos ventos que sopram de vez em quando lançando seus ideais contra os muros das capitais. Enquanto sugavam seu sangue, sua energia, seu tempo, trazia o peito cheio de esperança e as mãos sujas de cimento.

Ninguém reparou seu rosto risivelmente abalado, molhado com pingos de graxa que a chuva trazia do céu, naquela tarde perdida de plena segunda-feira. De repente ouviu: "Escuta aqui filha da puta!". Não, não era com ele. Nem isso era com ele.
No meio-fio da calçada, Avenida Paulista, agachou-se para pegar uma pasta caída e o executivo nem lhe agradeceu. Entrou na padaria, quitanda, farmácia, feira, na zona, na putaria, desceu e subiu a ladeira, entrou pelo túnel, pelo esgoto, pelo cano e não foi notado.
Empalideceu em frente à vitrine da loja de eletrodomésticos fixando a tv com olhos de bomba, ouvindo o governo dizer que o país estava uma maravilha! Pensou na maravilha e na educação de merda, na saúde de merda, no salário de merda, na marmita de mula: feijão, arroz, zoião, de vez em quando pirão, carcaça de peixe.
Bateu cartão de ponto um ano e meio, bateu à porta da igreja e a paz não veio, nem o engraxate na Praça da Sé pediu pelos seus sapatos, talvez soubesse do furo que havia na sola, janela do céu, dava pra ver a lua e as estrelas.
Na banca da esquina viu no jornal que o mandatário supremo expunha um sorriso escancarado pelos dentes e mandíbula que trituravam sua carne e cuspiam seu sangue nas calçadas sujas e fedorentas da Várzea do Carmo, ali mesmo mãos sujas de barro deram o sinal para um ônibus que não parou, e outro, e outro, e mais outro... nenhum parou.
Construiu, lixou, poliu, alisou, pintou, enfeitou tantas casas em que não morou, tantas vidas que não viveu, tantos sonhos que não sonhou.
Sem que ninguém percebesse, desapareceu sem deixar vestígio, planos, preocupação, prestígio, rosto, família, fotografia, documentos, palavras, sentimentos, nome, sobrenome, não deixou lembrança, não deixou saudade. Era sábado de festa, de confusão num bar com paredes caiadas de azul e branco, entre faces frias, na noite fria, ninguém viu nada, de nada sabia, ausência não reclamada, roupa não encontrada, nem ossos, nem corpo, nem alma. Mesmo assim o governo continuava dizendo na tv e nos jornais que o país estava uma maravilha!
Naquela manhã de domingo os pássaros cantavam nos jardins de barro, barulhentos carros entupidos de graxa aqueciam o ar, as feias casas de concreto sorriam pro sol e o mundo nem se deu conta de que havia um morador a menos na face da Terra.

(In: Versorragia Verborrágica - 2006/2011)

sábado, 3 de setembro de 2011

É PRECISO AMAR


É preciso amar
Encontrar a fonte
Da felicidade
A bem da verdade
Onde o amor se esconde.

Dou-te o coração
Seja pro que for
Resgata os teus dias
Tuas alegrias
É preciso amor.

É preciso urgência
Segue o meu caminho
Ele é só de flores
Tem de tantas cores
Tem o meu carinho.

Chamei-te a atenção
Já posso sonhar
Um mundo de paz
Sonhos são iguais
É preciso amar.

(In: Canções para os intervalos - 2011)