sexta-feira, 31 de julho de 2015

VERSOS N'ÁGUA

Esse barulho todo que vem da sala.
Esse grito estridente que vem da sala.
São insuficientes os meus ouvidos pra tamanho sermão.
A boca cala e a mente dispara
diante de tanta hipocrisia,
diante de tanta apelação.
Tudo certinho.
Tudo arrumadinho.
Tudo bonitinho.
E esses versos toscos escritos n’água
teimam em me aprisionar
atrás das grades da imperfeição.
Nada desses discursinhos baratos da moda.
Nada desse ritmo cansativo que é foda.
Nenhum conselho, nada de novo.
Nenhum arrepio nem babação de ovo.
Estou longe, longe demais,
deixem-me ao menos morrer em paz.
Essa conversa tola que vem da sala
são apenas meus versos toscos escritos n’água
e isso já é o suficiente pra incomodar.

[ACORDOABSURDO - Vôgaluz Miranda]

domingo, 26 de julho de 2015

AMIZADE

amassaram o tomate,
espremeram o limão,
mas a nossa amizade 
levarei por toda parte 
dentro do meu coração.

ACORDOABSURDO - Vôgaluz

domingo, 19 de julho de 2015

UNE FEUILLE DE PAPIER

desses dias em que a saudade é tanta
que o coração tenta buscar
uma canção,
um sorriso,
um gesto que ficou no tempo
registrado na memória 
em aço e concreto armado,
eu quero um ano,
uma década,
um século
e, quem sabe, um segundo dos teus passos
percorrendo meus caminhos tortuosos,
enquanto me distraio
inventando um final feliz.
à noite,
quando o silêncio disse a que veio,
alguém pegou o livro com a minha história
e fez o maior estrago.
desde então,
ando perdido neste labirinto azul,
teimando à beira do precipício,
dando murro em ponta de faca.
só agora sinto
que o tempo passou,
o bonde passou,
que as palavras pesam e
que uma simples folha de papel 
queima em minhas mãos.

[Vôgaluz Miranda - ACORDOABSURDO]

quinta-feira, 16 de julho de 2015

O OTIMISTA

Não li os jornais da semana passada nem me preocupei com as roupas no varal.
Não cai de costas com as mentiras da televisão.
Não levantei, não arrumei a cama.
Segunda-feira não acendi vela para a minha alma.
Não fui à escola, também não quis estudar.
Desisti da minha coleção de figurinhas, das músicas e poemas.
Procurei não saciar a minha sede de certezas.
Não lamentei meus erros nem desejei voltar atrás.
Não tropecei na escada.
Não comemorei o gol do meu time.
Dei razão a Stevie Wonder, “I just called to say I love you”.
Nunca mais te convidei para sair, tentei me esquecer de todos os teus nãos.
Não fiz a barba, não disse besteiras e não provei o café.
Não sorri da tola piada.
Furei a greve.
Não quis acreditar no que parecia normal.
Não pisei na grama e não transgredi as regras.
Não tive medo da escuridão da noite.
Não corri da chuva.
Deixei de lado toda a razão que nunca tive.
Decidi guardar todos os sins para te dar.

[ACORDOABSURDO - Vôgaluz Miranda]

domingo, 12 de julho de 2015

MESMICE

é a mesma estrada. é o mesmo mundo. a mesma forma de escrever os mesmos versos. o mesmo embrulho, presente velho. e mesmo a hora de mudar de opinião. é tudo o mesmo nada. sempre o mesmo medo. ontem o mesmo frio no mesmo cedo. e eu sempre o mesmo. o mesmo amor. a mesma paixão nas mesmas voltas do coração. os mesmos livros e as mesmas palavras. a mesma massa pro mesmo pão. o mesmo tombo no mesmo chão. é “mais do mesmo” da Legião. e a mesma rima sem solução. da janela a mesma rua. na mesma tela de paisagem mesma. ando ensimesmado comigo mesmo. gosto de fazer o mesmo, da mesma forma, com as mesmas normas, o mesmo enredo.
um raio de sol aquece o ar e toca as flores com dedos quentes. fico feliz ao dizer que um novo dia vem sempre do mesmo gesto, depois da mesma noite de todo dia, para que possamos prosseguir fazendo as mesma coisas com todas as nossas diferenças.
[Vôgaluz Miranda - ACORDOABSURDO]