sábado, 28 de maio de 2011

O TROCO (poema dedicado às crianças de todas as idades)

E amanhece
no dilema,
Filomena
não se emenda,
muito cedo
vai à venda
com a lista
de encomendas.
Compra os ovos,
compra o queijo,
leva o leite
do varejo,
na sacola
já não cabe
nada mais
que faltasse,
leva pão
e manteiga,
compra chá
de cidreira,
vem trazendo
por dilema
um tremendo
de um problema:
Seu José,
lá da venda,
só não gosta
da encomenda
porque paga
Filomena
com uma nota
de cinquenta.
“Oito e trinta
pra cinquenta,
não se emenda
Filomena”,
pensa o sério
português
que não perde
um freguês,
pra trocar
os cinquenta
fica doido,
se apoquenta,
tem que ter
já de renda
pouco mais
de quarenta,
nunca tem,
não recebe
o dinheiro
que ela deve,
vê saindo
Filomena
rebolando,
estupenda,
de sacola
lá da venda
com a nota
de cinquenta.

(In: O Perfume do Tempo - 2004/2005)



domingo, 22 de maio de 2011

COLIBRI

Colibri,
Presto atenção em ti.
Teu voo é belo sobre o jardim,
Breve esperança
Dentro de mim,
Tua tímida asa,
Meu colibri.
Vai, colibri.
Vai que eu fico aqui...
A contemplar na tua magia
O amor robusto que docemente
Espalhas sobre todas as flores.
Colibri,
São tantos os amores
Que eu descobri
E que não vivi.
Estão desertos muitos jardins
No entanto há flores dentro de mim,
Enfeitam bosques que nunca vi.
Faltou-me o ânimo
E não senti
O cheiro fresco das margaridas
Que não colhi.
Não quero voltar.
Não vou olhar nunca mais pras rosas,
Nem me iludir
Nestes vastos campos.
Já me perdi
Quase abandonado.
Quero ficar mesmo é por aqui,
Longe dos bosques.
Eu desisti de ter as flores
Que um dia vi.
Não sei voar,
Nem mesmo sentir
Os teus encantos,
Meu colibri.


Obs.1 - Este poema foi incluído na "Coletânea de Poesias O Melhor da Web", lançada na Bienal do Livro do Rio de Janeiro em 2009 pela Editora Usina de Letras.
Obs. 2 - In: Versorragia Verborrágica - 2006/2011 

quinta-feira, 19 de maio de 2011

TREM DA ESPERANÇA

No trem da esperança
a minha ilusão
flutua, balança
no último vagão.

No ferro dos trilhos,
saudade sombria,
perco-me no brilho
da vida vazia.

A vida vadia
e a longa viagem
esperam o dia
em que algo se acabe

entre as nossas almas
que sem direção
vislumbram a calma
do fim da estação.
(In: O Perfume do Tempo - 2004/2005)
  

domingo, 15 de maio de 2011

TRAVESSEIRO

Travesseiro, companheiro,
Em ti deito-me em presságios,
Meus remorsos, meus amores
E um coração incansável.
Testemunha de absurdos,
De fatos inconfessáveis,
De casos indecifráveis
Guardados no quarto escuro
E frio da minha memória
O resto... é só história.

Travesseiro, velho amigo,
Um quase colo de mãe,
Meu gosto mais atrevido
Em sonho se decompõe.
Se choro de madrugada
Não me entendas mal, talvez
Me limpe da estupidez
De forma dissimulada.

Depende do teu respaldo
Este semblante cansado.

Confesso não ser feliz,
Bem perto da tua orelha.
Amigo, quem é que diz
Ser feliz a vida inteira?
Vislumbro todo o silêncio
Que guardas feito um divã,
Travesseiro, companheiro,
Te vejo pela manhã.

 (In: Versorragia Verborrágica 2006/2011)


domingo, 8 de maio de 2011

ALGO SOBRE A EXISTÊNCIA

As formigas seguem seu caminho
E os homens seguem sem destino
Outros caminhos.

Pode ser que a palavra valha mais quando calada
Não escrita
Não dita
Apenas sentida
No ar que se respira.

O ponteiro do relógio ao alcance dos dedos
Aponta para o tempo,
Como um cego que toca o vento
Em meio à escuridão.

Eu que não entendia nada da vida
Desci às portas do inferno
Onde o fogo cozinhava meus calcanhares
E meu cérebro vegetal fervia
Enquanto eu corria
Corria
Corria
Sem sair do lugar.

Logo ali, naquela rua de terra,
Mora um velho contador de histórias
Contador de dinheiro
Contador de lorotas
Colecionador de problemas
Colecionador de derrotas
O velho é bem esquisito e se chama
Arrependimento
É casado com uma mulher que se chama
Culpa
E tem
Um filho chamado
Remorso
Êta velho danado! É tão forte. Nunca morre.
Só se esconde, enquanto pode.

Olho ao redor da cidade
Vejo o esplendor e a claridade
Sinto que o temor e a fatalidade
Lembram Salomão e a vaidade
Dentro das cabeças
Marchantes
Esperançosas
Sob a sombra da bomba atômica
Como pombas atônitas.

Os pássaros e as árvores
Combinam com dias de sol
Os livros e as lembranças
Combinam com dias de chuva
A vida tem muitos dias de chuva e poucos
Dias de sol
É sempre difícil dizer adeus a quem amamos.

O jogo continua
Os dados estão na mesa
Os fatos escapam da Mother Jones
E caem na próxima esquina.
Um olho grande observa
O espetáculo da vida
Cambaleante
Atrevida e ainda
Estupidamente
Viva.

Alguém grita lá do fundo do poço
Todo arranhado
Com água até o pescoço:
Onde fica a porta de saída?
Sem saber que todas as portas
Estão fechadas
Todas as frases foram ditas
Enquanto você descansava
Feliz da vida
Lendo uma crônica
Sob a sombra da bomba atômica.

 (In: Versorragia Verborrágica - 2006/2011)


sábado, 7 de maio de 2011

Sonetinho da Primavera


Como uma flor do campo sente o sol,
sinto a tua presença a todo tempo,
e ao abrir as janelas é que penso
na vida. Sou teu  peixe, meu anzol!
 
Das abelhas, o mel quero te dar,
diga-me tudo num singelo olhar
e a vida vai desabrochar em flor
no amanhecer de mais um ano bom.

Agora quero a tua voz bem perto
dos meus ouvidos em delírios brandos
com teus carinhos que no amor esmeras,

preciso tanto deste riso aberto
para que a paz presente em lírios brancos
renasça em flores nesta primavera.

 (In: O Perfume do Tempo - 2004/2005)


 

quinta-feira, 5 de maio de 2011

BOLINHA DE SABÃO

O nosso amor é frágil
Bolinha de sabão,
Que vaga pelo espaço
Da palma da tua mão
E toca cada traço
Do velho coração,
Redondamente dócil,
Pelota de melão
Sofrida e desgastada
Na estrada da ilusão
Trilhada passo a passo
– A vida é solidão –
Na escuridão do quarto
Escuto uma canção
Que fala só de amor,
Bolinha de sabão.

(In: Versorragia Verborrágica - 2006/2011) 

Obs.: Este poema é dedicado às crianças de todas as idades.




domingo, 1 de maio de 2011

A LOUCA


A louca e a ladeira
Não estavam nem aí com a chuva
A louca a ladeira e a chuva estavam nuas
E quem se importa?
Talvez foram pra Vênus ou pra Marte
Alguém viu a maluca subir uma escarpa
Do outro lado do mundo
Que dava pras estrelas
No entanto
A queda da louca foi terrível
A alguns metros da rua mais próxima
Os braços estavam separados do corpo
As pernas se quebraram em várias partes
A cabeça se espatifou
Mas a boca gritava sem parar
Palavras de ofensa
Aos ouvidos sensíveis
Dos homens cultos que passavam apressados
Pelo centro da cidade
"Tudo na vida passa!
Tudo é vaidade!"
Agora coberta por jornais velhos
Os mendigos homens e cachorros ignoravam-na
Entretanto impregnados de curiosidade
Quiseram vê-la flutuar no céu
E se desmanchar
Na calçada secular da rua de paralelepípedos
E a louca indiferente à ladeira e à chuva
Agora com olhos esbugalhados
Continuava gritando sem parar
Enquanto observava a vida que passava
E todas as vaidades
Que teimam em conduzir os loucos apressados
Do centro da cidade.

(In: Versorragia Verborrágica - 2006/2011)



SONRISAL

Toque com as mãos
 a piedade humana,
vontade profana
de um jovem cristão.

Tábua ressecada,
o amor se resolve
em pequenas doses
de frases safadas.

Consomem as aves
da fruta madura,
leve-me às alturas
fria espaçonave

e perto do céu
me lance no mar,
pro sonho acabar
em gotas de mel.

Teu rosto aparece
no branco papel,
contorno pastel
que só me envelhece.

Martele pesado,
coração partido,
verei destruído
todo o meu passado.

A fé que é descrente
de riso atrativo,
vive como alívio
das coisas pungentes.

O amor que perece,
coroa dourada,
só no fim da estrada
a vida amanhece.

Meu corpo envelhece,
não tenho opção,
o tempo é a razão
que mais enobrece.

As pedras que rolam
nos dias de sol
e em cada farol,
crianças esmolam.

Palhaços fugidos
de um circo lotado
não serão retratos
de um mundo esquecido?

As dores derretem
as lágrimas gélidas
da mente inerte
de formas esféricas

das pedras na praia
das rodas de samba
do voo das raias
em Copacabana.

Processo infinito
da criação divina,
estátua em granito
de face maldita,

de todos os erros,
das desilusões,
dos velhos enredos,
das tristes lições.

As doces vinganças
de um tempo banal
derretem lembranças
como sonrisal.

(In: O Perfume do Tempo - 2004/2005)


 

AMARELINHA

Vamos pular amarelinha
a tarde inteira, inteirinha.
Vamos pular amarelinha
lá na calçada da vizinha.

E cada número será
um grande amigo que terei.
Em cada pulo vou sonhar
que sou Rainha e tu és Rei.

Quero pegar as tuas mãos
e dar-te um beijo bem docinho,
sentir no peito o que é paixão
com muito amor, muito carinho.

Enquanto o sol nos bronzear
lá na calçada da vizinha
terei a vida pra te amar,
Vamos pular amarelinha.

(In: Versorragia Verborrágica - 2006/2011)

Obs.: Este poeminha é dedicado às crianças de todas as idades.