sábado, 19 de novembro de 2011

RETRATO DA VIDA


Eu vi um homem deitado numa calçada
com os olhos fechados.
Parecia dormir.
Sonhava como todos nós sonhamos,
talvez com dias melhores,
talvez com um pouco de sorte.
Provavelmente passara a noite ali,
acompanhado pelas vigilantes luzes dos postes
e por bêbados vadios,
poderia ser também um deles,
apenas mais um bêbado vadio abandonado pela vida.

As marcas no rosto fatigado daquele homem
e os sulcos profundos na pele grossa
denunciavam história ocultas de uma vida,
derrotas,
vitórias,
segredos eternos,
quem sabe,
filhos,
irmãos,
uma mulher amada ou
um grande amor perdido na estrada.
Mas ali, naquela calçada, não havia ninguém,
só ele,
só.

Eu vi um homem deitado numa calçada,
já não era homem,
era um farrapo,
era de plástico,
papel rasgado,
era de lixo,
era um flagelo
dentro da sociedade e ao mesmo tempo
fora dela.
Talvez vencido pela modernidade,
pelo mundo moderno,
pela vida moderna,
monstruosidade intrínseca.

Eu vi um homem deitado numa calçada.
Mas vi também quando ele se levantou,
arrumou seus poucos pertences numa sacola surrada
e caminhou sozinho pela rua
à procura de outra chance.
E, por um instante, lembrei-me do encanto de Carlitos.
São tantos os encantos.
São tantos os desencantos.
São tantos os Carlitos.
Meu Deus!

(In: O Perfume do Tempo - 2004/2005)

2 comentários:

  1. Muito amei , relamente muito bom , sou amante de pessos que ninguem consegue enxergar mesmo tropeçando nelas ,,, continue escrevendo sobre eles ,,,, Ameii mesmo muito muito bom,, Aemei cada palavra

    Rebeca ( sociedade surdina)

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  2. Obrigado pelo comentário, Rebeca! Quando puder leia também o poema "O homem invisível", que também está neste blog, fala sobre tema parecido com esse. Abraços. Vôgaluz.

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